Vai ficar cada vez mais difícil colocar a culpa na gasolina quando o veículo começar a engasgar. Após anos com um padrão de qualidade inferior, o principal combustível utilizado por carros de passeio no país vai se aproximar dos requisitos adotados na Europa e nos Estados Unidos. Desde ontem, o produto que está saindo das refinarias deve atender padrões de qualidade que dificultam bastante o processo de adulteração e devem proporcionar um aumento médio de 5% no rendimento dos motores, segundo informações da Petrobras.
Outra boa notícia para o consumidor é que a estatal, responsável por aproximadamente 98% do refino de combustíveis no Brasil, sinalizou não haver uma relação direta entre a mudança e um aumento de preços. Especialistas no setor estimam em R$ 0,10 por litro este custo adicional de produção. Segundo a Petrobras, “o preço do combustível é definido pela cotação no mercado internacional e outras variáveis como valor do barril do petróleo, frete e câmbio. Portanto, esses fatores podem variar para cima ou para baixo e são mais influentes no preço do que o custo adicional de especificação”, destaca a empresa em um comunicado.
Ela lembra entretanto que é responsável por apenas 30% do preço final da gasolina nos postos. “As demais parcelas são compostas por tributos, preço do etanol adicionado e margens das distribuidoras e revendedores”, diz. Segundo a empresa, “o ganho de rendimento de 5%, em média, proporcionado pela nova gasolina compensará uma eventual diferença no preço da gasolina, porque o consumidor vai rodar mais quilômetros por litro”.
O empresário Walter Tannus, presidente do Sindicato de Combustíveis da Bahia (Sindicombustíveis) acredita que a receptividade será boa por conta da maior qualidade do produto. Segundo ele, só será possível ter uma definição em relação a preços quando a gasolina estiver disponível. “É um produto melhor que, segundo análises técnicas, vai reduzir o consumo. A gente ainda não sabe se a Petrobras vai repassar o aumento de custo que ela terá para produzir. Isso é algo que só será definido com o produto no mercado”, diz.
“Se ninguém aproveitar para aumentar suas margens e, mantendo-se a mesma tributação, o impacto deve ser pequeno”, projeta.
Em produção
Apesar do período de 90 dias até que a regra se torne obrigatória, é muito provável que boa parte dos brasileiros já esteja utilizando, sem saber, a nova gasolina. Desde o mês passado, as refinarias da Petrobras já estão produzindo a gasolina com o padrão de octanagem RON 93, além de ser mais densa. Não sabe o que é octanagem, ou a importância da densidade? Para os não iniciados em mecânica basta saber que a melhoria destas duas características vão proteger os motores, dificultar fraudes e possibilitar redução no consumo. Além disso, diz a Petrobras, proporciona melhora no desempenho do carro, melhor dirigibilidade, menor tempo de resposta na partida a frio e aquecimento adequado do motor.
“Ajustamos nossos processos de refino e estamos prontos para antecipar o padrão de qualidade previsto para 2022. Desta forma, garantimos a qualidade superior da gasolina produzida nas refinarias da Petrobras”, afirma Anelise Lara, diretora de Refino e Gás Natural da Petrobras.
A regulamentação da ANP, cuja primeira fase entrará em vigor ontem, estabelece uma massa específica (densidade) mínima de 715 kg/m³, novo requisito no Brasil para a gasolina comercializada nos postos. Isso deve dificultar bastante a vida de quem tentar adulterar o produto, combatendo o uso de solventes e de combustível de baixa qualidade.
“Com um patamar mínimo de densidade específica definido, o grande benefício para o consumidor é a maior dificuldade de adulteração deste produto”, avalia o diretor comercial e presidente da baiana Petrobahia, Thiago Andrade.
Com a octanagem mínima de 92, já adotada na Europa, o combustível se torna mais adequado às novas tecnologias de motores introduzidas no Brasil. A segunda fase, prevista para janeiro de 2022, estabelece que a octanagem mínima de 93 – padrão que já está sendo adotado pela empresa. “Antes nosso produto era comparado ao pior nível. Isso basicamente é a relação de detonação, qualidade da gasolina”, explica Andrade.
Márcio Sales, diretor de operações da distribuidora baiana Larco, acredita que a entrada do novo produto não ira interferir nos preços. “A precificação não é feita pela produção, mas pelo mercado externo. Mesmo tendo especificações diferentes, não aumenta em função disso. Não é o custo de produção que forma o preço da Petrobras”, pondera. Ele lembra que, mesmo com a produção da nova gasolina em curso na última semana, a Petrobras anunciou uma redução de R$ 0,07, em função do mercado externo.
“O fato é que o combustível terá mais eficiência, redução no consumo por quilômetro rodado, dificultará a fraude, porque você terá um padrão elevado, e redução na emissão de poluentes”, destaca. “A gasolina brasileira estará nos padrões dos Estados Unidos e da Europa”.
E o etanol?
O consumidor que está acostumado com a proporção do etanol em até 70% do preço da gasolina para saber qual dos dois é mais vantajoso, vai precisar refazer as suas contas, explica o diretor comercial e presidente da Petrobahia, Thiago Andrade. Para ele, esta deve ser a grande mudança na relação entre o combustível a base de petróleo e do outro a base da cana-de-açúcar. “A relação entre o preço do etanol e da gasolina é bastante estável. Talvez, o que se modifique seja a relação de consumo que existe atualmente, mas isso é algo que o motorista terá que descobrir como será em relação seu carro”, afirma.
“O etanol vai continuar sendo uma alternativa. Teoricamente, a melhoria do rendimento pode ter um impacto no mercado do produto, mas eu enxergo que vai haver um ajuste natural entre os dois produtos ao longo do tempo. É algo que o mercado deverá absorver para oferecer condições”, diz.
Setor de combustíveis
A gasolina representa um mercado de 500 milhões de litros por ano na Bahia, explica Tannus. O volume representa 30% do total comercializado no estado, diz. Segundo ele, a expectativa do setor é que não haja uma grande variação nesta participação este ano, mesmo com o período de isolamento causado pela pandemia do novo coronavírus.
“Abril foi um mês horroroso para a revenda. Para se ter ideia, vendas caíram 50%”, lembra o presidente do Sindicombustíveis. Segundo ele, de maio para cá, o movimento tem sido de recuperação, embora o desempenho de vendas ainda esteja abaixo do esperado. “O cenário é muito preocupante”, avisa.
O impacto do isolamento se deu no complexo de atividades abrigadas nos postos de combustíves. “As revendas são um complexo de negócios. Tem combustível, restaurante, conveniência, borracharias. Alguns que tem até pequenos mercados e estes sofreram bastante”, lembra. Nos últimos meses, foram perdidos 10 mil empregos, de um total de 50 mil, no setor, lembra.
As principais mudanças e os seus impactos
Qualidade
As regras brasileiras não estabeleciam limites mínimos de massa específica nem valor mínimo de RON, o que permitia a importação e produção de gasolinas mais leves. A gasolina comum terá que ter RON de 92 agora e de 93 em janeiro de 2022. Já a gasolina premium terá que atingir 97 já agora no início do próximo mês.
Proteção
Melhora desempenho, dirigibilidade e o tempo de resposta na partida a frio, além de manter aquecimento adequado do motor. Também protege de defeitos mais rápidos
Eficiência
Vai permitir o uso pelas montadoras de motores mais eficientes, com menor consumo e menos poluentes
Consumo
Segundo a Petrobras, a nova gasolina vai permitir uma queda média de 5% no consumo do litro de gasolina por cada quilômetro rodado, além de dar mais potência.